A narrativa do Evangelho de Lucas, no seu segundo capítulo, permite-nos vislumbrar o cenário que Deus escolheu para que o Verbo se fizesse carne e habitasse entre nós: lugar bucólico, simples, singelo. Muito longe de luxo e riqueza, a rudeza de um lugar reservado aos animais era o que mais se destacava do ambiente que o recebeu. Este conhecido cenário, representado pelos muitos presépios que serão montados nas casas e nos comércios, pode nos comunicar muito a respeito das características da encarnação de Jesus, marcas que o acompanharam até à sua ressurreição.
A encarnação de Jesus é o ato de um Deus que, de tão misericordioso, se permitiu enviar seu Filho em forma humana para que pudéssemos experimentá-lo como Emanuel, Deus conosco. Ele se fez Deus-Presente, semelhante a nós, cumprindo o que havia sido dito pelos profetas. Dessa forma, a encarnação de Jesus nos inspira, deve servir para nos dirigir a vida e para imprimir em cada um dos cristãos os verdadeiros valores de Deus para o nosso tempo.
E a primeira marca que podemos observar na cena do nascimento de Jesus é a SINGELEZA. Mesmo possuindo toda a glória que lhe é devida, é num ambiente singelo, simples, humilde que começa a história da encarnação de Jesus. E este é um recado importante para todos nós: em tempos em que ser simples e singelo ficou fora de moda, tempos em que “ter” é sinal de status e muito mais importante que “ser”, precisamos nos lembrar que Jesus nasceu e viveu uma vida absolutamente simples, sem ostentação, impactando a vida das pessoas pela mensagem do amor, e não pela aparência.
Uma segunda marca da encarnação de Jesus, igualmente presente na cena do seu nascimento, é a DOR. Podemos inferir que as circunstâncias do parto do menino Deus não foram as melhores. Não havia assistência nenhuma para Maria e a sua única companhia era a do seu esposo, José. O ambiente estava longe de estar esterilizado, minimamente limpo ou apropriado para o nascimento de uma criança. Não havia aparatos médicos, berço climatizado nem colchão de espuma que pudesse acolher, assim que viesse ao mundo, o menino Jesus. Dessa forma, o Senhor, ao nascer, experimentou a dor e o sofrimento que todas as crianças experimentam no parto até hoje. E, porque sofrem, choram. Nascer é a nossa primeira experiência dolorosa.
Dor e sofrimento foram dois elementos que fizeram parte da vida de Jesus enquanto permaneceu entre nós. São elementos que integraram a sua experiência de encarnação. E este é o segundo recado que a encarnação de Jesus nos deixa: a dor e o sofrimento fazem parte da vida humana. Em tempos em que se propagam mensagens de um cristianismo de negação ao sofrimento e às dificuldades da vida, atribuindo a Deus a “obrigação” de livrar todos das mazelas humanas, o Jesus Encarnado nasceu e viveu experimentando dor e sofrimento como parte da sua experiência. Negar a dor e o sofrimento como parte da vida humana implica em ignorar que eles fizeram parte da vida daquele que habitou entre nós sem pecado e, mesmo assim, desde o seu nascimento, os experimentou.
Por fim, a encarnação de Jesus é marcada pela GLÓRIA. Desde o momento do seu nascimento, Jesus foi cercado de glória. Surgiram anjos do céu que o glorificaram e espalharam pelas campinas a mensagem tão esperada de que o Rei dos Reis havia nascido em Belém. Lucas descreve esta manifestação angelical aos pastores, dizendo que “o anjo do Senhor veio sobre eles, e a glória do Senhor os cercou de resplendor, e tiveram grande temor”. A glória manifesta pelos anjos era um indicativo de que aquela criança era o verdadeiro Filho de Deus.
Mas a glória final na trajetória da encarnação de Jesus se deu com a sua ressurreição. Em Atos 1 temos a ascensão de Jesus ao céu, marcada pela glória que lhe era devida. O Evangelho de João nos afirma que “a todos quantos o receberam deu-lhes o poder de serem feitos filho de Deus”. Como filhos de Deus, também experimentamos a Sua glória. O Apóstolo Paulo, em 2 Coríntios 3, relata que todos nós que fazemos parte da família de Deus seguimos a vida “refletindo como um espelho a glória do Senhor” e experimentando gradual transformação, “de glória em glória”.
A glória fez parte de toda a vida do Jesus Encarnado, como também faz parte da experiência de todo cristão. Assim, nossa vida imita a do Jesus encarnado: não nos limitamos ao sofrimento e à dor, mas somos revestidos de glória. E glória maior, como aconteceu com o nosso Senhor, será manifesta quando estivermos na presença do nosso Deus Eterno.
Enquanto estamos no mundo, devemos nos lembrar que a encarnação de Jesus nos deixa um apelo para vivermos de modo simples, compreendendo e lidando com a dor e o sofrimento que nos são inerentes, experimentando transformação dia a dia pela Sua glória e aguardando o dia em que todo olho verá, todo joelho se dobrará e toda língua confessará que Jesus Cristo é o Senhor.
Rev. Esny Cerene Soares
Professor da FATIPI
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