A época anterior à Reforma foi de intensa efervescência religiosa e social. A tensão existente entre Igreja e Estado se encarregou de trazer um dos mais tumultuados momentos na história da cristandade ocidental. Para assegurar a independência da Igreja, o papado buscou enfraquecer o poder do Estado. Em consequência, os papas chegaram até a assumir o comando político do mundo ocidental de então. Os bispos, com frequência, se tornavam mais guerreiros do que pastores e se envolviam nas intrigas políticas da época, para o bem de seus interesses políticos e econômicos.
O critério para a escolha e nomeação dos bispos e dos cardeais não era primariamente pastoral nem buscava o bem da igreja; baseava-se, na maioria das vezes, na pertença à nobreza por nepotismo. Esta trama político-religiosa concedeu direitos de padroado aos reis de quase toda a Europa e levou a vida religiosa à beira do colapso. Os reis determinavam a vida religiosa e ainda o preenchimento de cargos eclesiásticos. O príncipe passou a controlar as ofertas do povo. A pregação de indulgências só era permitida caso o príncipe tivesse participação nos lucros. Os abusos e desordens na Igreja, especialmente no alto clero, em todos os níveis provocaram desejos de reforma. A igreja já não atendia às expectativas dos cristãos. Pois, para a maior parte do clero, a igreja era considerada sua propriedade, da qual retiravam lucros e prazeres.
Os sacerdotes eram ignorantes, em sua maioria, incapazes de responder às mais simples perguntas religiosas da parte dos paroquianos. Eram frequentes, nesse período, as reclamações a respeito da formação do clero e dos religiosos, para os quais não existiam seminários nem programas de formação teológica. Todas estas descrições levaram os cristãos à alternância entre ódio e medo em relação a Roma. Durante cem anos apresentaram-se queixas contra tais situações, mas todas foram abafadas pelo papado. Se o desejo de reforma da vida religiosa e social não foi realizado pela igreja, deveria ser por outro viés.
Após este contexto, no início do século XVI, Martinho Lutero se sentia extremamente incomodado com o tema da salvação aliado ao castigo. Para Tillich, teólogo alemão do século XX, tal inquietação era comum no fim da baixa Idade Média, dado o peso do sacramento da penitência na Igreja Romana. A imposição da doutrina da penitência empurrou a cristandade da Idade Média para o mais alto grau da ansiedade. Paul Tillich considerou o sacramento da penitência o fator preponderante da ruptura de Lutero com a Igreja Romana. No mosteiro, Lutero chegou à conclusão de que as boas obras e o próprio sacramento da penitência são insuficientes, tanto para aliviar a consciência de pecado quanto para a justificação diante de Deus. As pessoas não conseguiam encontrar a misericórdia de Deus e nem se livrarem da má consciência.
A superstição e as crendices estavam arraigadas na mente incauta do povo. Fraudes e falsas relíquias eram usadas para estimular ainda mais tal crendice. Entre as fraudes das falsas relíquias, posteriormente descobertas, estava um suposto braço de Santo António, muito milagroso. Mais tarde, verificou-se que nem mesmo tratava-se de um osso humano, mas da canela de um veado. A teologia de Lutero, que o levou a romper com a Igreja, era baseada na tese de que a relação do ser humano com Deus é pessoal, relação do tipo Eu-Tu. A expressão Sola Fide tornou-se o foco central da teologia de Lutero. Portanto, o desvirtuamento da vida religiosa, marcado pelo peso da doutrina romana da penitência no contexto da baixa Idade Média, foi o marco desencadeador da Reforma Protestante. Podemos dizer que fatores como: a formação humanista de Lutero, o seu conhecimento das línguas grega, hebraica, latina e alemã, o seu método teológico de interpretação bíblica e ainda as suas experiências espirituais foram fundamentais para a formulação das 95 teses bíblico-teológicas que deram início à Reforma Protestante.
À semelhança de Lutero, João Calvino também criticou duramente o sacramento da penitência pelo fato de transferir para o homem e sob o controle da igreja, a incumbência de aliviar as culpas provocadas pelo pecado. Era isso que Calvino chamava de falsa religião. Segundo ele, só os hipócritas procuram aplacar a ira de Deus com a aparência dos sacrifícios; pois, em lugar de servir a Deus com a santidade da vida e a integridade do coração, realizam vãs e frívolas cerimônias sem valor algum para obterem a graça e o favor de Deus. Os hipócritas esperam poder satisfazer a Deus com suas oferendas; em lugar de colocar a confiança única e exclusivamente em Deus, colocam-na em si mesmos.
Portanto, para Calvino, Deus é quem restaura em nós a vontade pela qual teremos o desejo de buscar a reaproximação; é Deus quem opera tal querer; e, assim, qualquer bem na vontade é obra unicamente da graça. Não há penitência e nem mesmo mérito humano. O mérito da graça da salvação é exclusivamente de Jesus Cristo.
Rev. Adilson de Souza Filho
Professor da FATIPI
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