FATIPI FECP
GAEDE NETO, Rodolfo. A diaconia de Jesus. São Paulo, Paulus, 2001.
Gaede Neto, numa leitura fácil e ao mesmo tempo profunda, escreve sobre o ministério diaconal na vida de Jesus. Para ele, mais que um ministério, a diaconia fazia parte do jeito de ser de Jesus, nas suas palavras, gestos, ensinamentos e prática. Utilizando dos evangelhos, o autor mostra os textos clássicos diaconais: Mt 25.31-46 (julgamento); Lc 10.25-37 (o bom samaritano) e Jo 13.1-35 (lava-pés). Nestes textos, somente em Mt 25.31-46 é que aparece o termo diaconia. Outro texto clássico que norteia a sua pesquisa é o de Marcos 10.35-45, por alguns motivos: a) é o texto mais antigo em que aparece a palavra diaconia; b) fornece maior número de dados para compreensão da diaconia; c) porque conecta o significado de diaconia diretamente ao ministério de Jesus; d) por colocar diaconia nas instruções de Jesus aos discípulos. O texto de Mc 10.35-45 trata do tema do verdadeiro discipulado ou do desafio para o seguimento na perspectiva da cruz. É a caminhada de Jesus em direção à cruz. Por três vezes, Jesus faz referência a sua paixão e morte (Mc 8.31; 9.30; 10.32). Para Gaede Neto, os discípulos não entendiam o que ele ensinava sobre o verdadeiro discipulado. Eles buscavam o caminho da glória e não o da cruz. Os discípulos discutiam entre eles quem seria o primeiro. Não queriam jamais serem os últimos. Mas Jesus, sabendo o que estavam conversando, disse: “[...] se alguém quer ser o primeiro, deve ficar em último lugar e servir a todos” (Mc 9.35).
Jesus inaugura o seu reino com uma regra pétrea: “servir é o papel de quem lidera na comunidade” (GAEDE NETO, p.50). É a inversão dos papéis. Quem quer ser o líder, então seja o diácono, o servo de todos. Tanto em Mt 20.26s; 23.11 e Lc 22.26, o autor mostra que essa regra ou ordem de Jesus tem validade no reino de Deus e na sua igreja. No reino e na igreja não há lugar para dominação, mas de constante serviço (diaconia) mútuo.
Em Marcos 10, Jesus trata de vários assuntos relacionados a prática diaconal: A) quebra as barreiras do exclusivismo – dominação masculina (divórcio); B) as crianças excluídas devem ser acolhidas; C) a mulher discriminada deve ser defendida (divórcio); D) os bens acumulados devem ser distribuídos (jovem rico). Como pano de fundo, Gaede Neto mostra que está a questão do poder, pois a sociedade na época de Jesus era constituída por aqueles que tinham o poder e os que eram dominados. É esse quadro que os discípulos querem manter, voltado para eles. Em vez da cruz, querem a glória e o poder. É a tentação de Satanás a Jesus: “tudo isto te darei se, prostrado, me adorares” (Mt 4.9). Diante de tudo isso, Jesus propõe algo novo: “entre vós não é assim”. Quer ser grande (mégas), então sirva (diákonos); quer ser o primeiro (prôtos), então seja escravo (doûlos) de todos. “Pois o próprio filho do homem não veio para ser servido (diakonetênai), mas para servir (diakonésai) e dar a sua vida em resgate por muitos” (Mc 10.45).
A proposta de Jesus para o reino e a igreja é a diaconia, o serviço, o discipulado na perspectiva da cruz. Gaede Neto(2001, p.71) afirma que “o princípio fundamental coloca as relações de cabeça para baixo, quando faz o embaixo ser o em cima e o em cima, embaixo”. Jesus se coloca ao lado dos 95% da população da palestina que vivia debaixo da dominação de Roma e dos poderosos, legitimados pela religião. É por isso que Jesus se coloca como aquele que necessita de ajuda (Mt 25.31-46), ou seja, as crianças, as mulheres, os escravos, as pessoas doentes, os pobres explorados, discriminados e marginalizados, que sempre serviram, dizendo que seriam servidas pelas pessoas que queriam se tornar grandes. Jesus se coloca como o exemplo: Deus se tornou pequeno e fraco em Jesus para servir a todos (Fl 2.5-11). A proposta de Jesus não é uma anarquia política e religiosa. A questão não é acabar com o poder, mas a forma como o utilizamos, para dominar ou para servir?
Gaede Neto (2001) aborda a práxis de Jesus em quatro temas: a) A comensalidade de Jesus; b) Jesus e as crianças; c) Jesus e os enfermos; d) Jesus e as mulheres. a) A COMENSALIDADE DE JESUS - Jesus percebeu como a mesa está no centro da vida e das relações humanas. Aliás, não só desta vida, mas também no reino vindouro. Jesus compara o reino dos céus com um banquete (Mt 22.1-14). Se a comunhão de mesa pode prefigurar o reino de Deus, então vale a pena colocar-se a seu serviço. Jesus de fato realizou um constante serviço de mesa, mais do que a gente normalmente supõe, com pessoas pobres, doentes, deficientes, oprimidas, pecadoras. Um número surpreendente de narrativas apresenta Jesus realizando comunhão de mesa ou ensinando a partir da metáfora da comunhão de mesa. b) JESUS E AS CRIANÇAS - Quando os discípulos tentaram impedir que as crianças chegassem até Jesus, fica clara a forma como elas eram tratadas na época de Jesus. As crianças eram excluídas, por isso que tentaram barrá-las, mostrando a exclusão. Diante desse contexto de discriminação e exclusão das crianças, Jesus se coloca na contramão, acolhendo as crianças que eram rejeitadas, incluindo-as dentro da sua missão, conferindo valor a elas e amando-as por aquilo que elas são, crianças. E mais, Jesus coloca-as em preeminência ao afirmar que delas é o reino de Deus: “Eu afirmo a vocês que isto é verdade: quem não receber o Reino de Deus como uma criança nunca entrará nele” (Mc 10.14). Mais do que fazer uma afirmação teológica, Jesus faz uma denúncia contra a exclusão, não só das crianças, mas de todos aqueles que eram discriminados e colocados à margem pela sociedade e legitimado pela religião. E, Jesus vai além, dizendo que só entra no reino de Deus aqueles que receberem o reino como uma criança (Mc 10.15). c) JESUS E OS ENFERMOS - Na época de Jesus haviam poucos médicos e o acesso era muito difícil, especialmente por parte dos pobres. Em algumas localidades, nem médico tinha. A doença era vista como uma maldição, consequência do pecado, portanto castigo de Deus. A doença que mais representava essa visão era a lepra. Por trás da lepra estava todo um discurso religioso justificando a condenação dos doentes à exclusão. Ao curar, Jesus demonstrava sua compaixão, colocando-se ao lado dos que sofrem, quebrando as barreiras da exclusão. Gaede Neto(2001, p. 154) diz que Jesus em sua compaixão, “não teme contaminar-se nem com a doença do leproso nem com a doença da sociedade”. D) JESUS E AS MULHERES - Na sociedade judaica do tempo de Jesus, a menina era considerada adulta com doze anos e meio. Toda mulher deveria se casar e o processo do casamento começava com a chegada da puberdade. O marido era escolhido pelo pai e não poderia ser recusado. A mulher tornava-se propriedade do marido. Gaede Neto apud Rizzante(2001, p. 165) escreve que “desde a adolescência até a menopausa, a mulher era marginalizada do convívio da sociedade: como impura e causadora de impureza”. Jesus em seu ministério restaurou a dignidade da mulher. Muitas mulheres foram curadas por ele: a mulher que sofria com hemorragia (Mc 5.25-34); a filha de Jairo (Mc 5.21ss); a filha endemoniada da mulher siro-fenícia (Mc 7.24-30); a sogra de Pedro (Mc 1.29-31) etc. Ao curar às mulheres, Jesus também quebrava com a exclusão em que viviam. A mulher com hemorragia toca nas vestes de Jesus e, segundo a Lei, tornava Jesus impuro, mas Jesus a acolhe e não a condena, dividindo com ela o fardo da impureza que a fazia sofrer há tanto tempo. Ele chama a mulher de filha, restaurando a cidadania do povo de Deus e a despede com a paz, shalom, voto que quer dizer bem-estar, saúde, felicidade. Ela agora é também filha do reino e seguidora de Jesus.
Diante da exclusão, da dominação, da exploração e da violência, Gaede Neto mostra que com Jesus aprendemos que a realidade do reino é diferente: “Entre vós não é assim”(Mc 10.43). É uma mudança de paradigma para aqueles que querem viver como súditos do reino inaugurado por Jesus.
Rev. Marcos Nunes da Silva
Diretor da FATIPI
Pastor da IPI da Vila Carrão