Gaede Neto, numa leitura fácil e ao mesmo tempo profunda, escreve sobre o ministério diaconal na vida de Jesus. Para ele, mais que um ministério, a diaconia fazia parte do jeito de ser de Jesus, nas suas palavras, gestos, ensinamentos e prática. Utilizando dos evangelhos, o autor mostra os textos clássicos diaconais: Mt 25.31-46 (julgamento); Lc 10.25-37 (o bom samaritano) e Jo 13.1-35 (lava-pés). Nestes textos, somente em Mt 25.31-46 é que aparece o termo diaconia. Outro texto clássico que norteia a sua pesquisa é o de Marcos 10.35-45, por alguns motivos: a) é o texto mais antigo em que aparece a palavra diaconia; b) fornece maior número de dados para compreensão da diaconia; c) porque conecta o significado de diaconia diretamente ao ministério de Jesus; d) por colocar diaconia nas instruções de Jesus aos discípulos. O texto de Mc 10.35-45 trata do tema do verdadeiro discipulado ou do desafio para o seguimento na perspectiva da cruz. É a caminhada de Jesus em direção à cruz. Por três vezes, Jesus faz referência a sua paixão e morte (Mc 8.31; 9.30; 10.32). Para Gaede Neto, os discípulos não entendiam o que ele ensinava sobre o verdadeiro discipulado. Eles buscavam o caminho da glória e não o da cruz. Os discípulos discutiam entre eles quem seria o primeiro. Não queriam jamais serem os últimos. Mas Jesus, sabendo o que estavam conversando, disse: “[...] se alguém quer ser o primeiro, deve ficar em último lugar e servir a todos” (Mc 9.35).
Jesus inaugura o seu reino com uma regra pétrea: “servir é o papel de quem lidera na comunidade” (GAEDE NETO, p.50). É a inversão dos papéis. Quem quer ser o líder, então seja o diácono, o servo de todos. Tanto em Mt 20.26s; 23.11 e Lc 22.26, o autor mostra que essa regra ou ordem de Jesus tem validade no reino de Deus e na sua igreja. No reino e na igreja não há lugar para dominação, mas de constante serviço (diaconia) mútuo.
Em Marcos 10, Jesus trata de vários assuntos relacionados a prática diaconal: A) quebra as barreiras do exclusivismo – dominação masculina (divórcio); B) as crianças excluídas devem ser acolhidas; C) a mulher discriminada deve ser defendida (divórcio); D) os bens acumulados devem ser distribuídos (jovem rico). Como pano de fundo, Gaede Neto mostra que está a questão do poder, pois a sociedade na época de Jesus era constituída por aqueles que tinham o poder e os que eram dominados. É esse quadro que os discípulos querem manter, voltado para eles. Em vez da cruz, querem a glória e o poder. É a tentação de Satanás a Jesus: “tudo isto te darei se, prostrado, me adorares” (Mt 4.9). Diante de tudo isso, Jesus propõe algo novo: “entre vós não é assim”. Quer ser grande (mégas), então sirva (diákonos); quer ser o primeiro (prôtos), então seja escravo (doûlos) de todos. “Pois o próprio filho do homem não veio para ser servido (diakonetênai), mas para servir (diakonésai) e dar a sua vida em resgate por muitos” (Mc 10.45).
A proposta de Jesus para o reino e a igreja é a diaconia, o serviço, o discipulado na perspectiva da cruz. Gaede Neto(2001, p.71) afirma que “o princípio fundamental coloca as relações de cabeça para baixo, quando faz o embaixo ser o em cima e o em cima, embaixo”. Jesus se coloca ao lado dos 95% da população da palestina que vivia debaixo da dominação de Roma e dos poderosos, legitimados pela religião. É por isso que Jesus se coloca como aquele que necessita de ajuda (Mt 25.31-46), ou seja, as crianças, as mulheres, os escravos, as pessoas doentes, os pobres explorados, discriminados e marginalizados, que sempre serviram, dizendo que seriam servidas pelas pessoas que queriam se tornar grandes. Jesus se coloca como o exemplo: Deus se tornou pequeno e fraco em Jesus para servir a todos (Fl 2.5-11). A proposta de Jesus não é uma anarquia política e religiosa. A questão não é acabar com o poder, mas a forma como o utilizamos, para dominar ou para servir?
Gaede Neto (2001) aborda a práxis de Jesus em quatro temas: a) A comensalidade de Jesus; b) Jesus e as crianças; c) Jesus e os enfermos; d) Jesus e as mulheres. a) A COMENSALIDADE DE JESUS - Jesus percebeu como a mesa está no centro da vida e das relações humanas. Aliás, não só desta vida, mas também no reino vindouro. Jesus compara o reino dos céus com um banquete (Mt 22.1-14). Se a comunhão de mesa pode prefigurar o reino de Deus, então vale a pena colocar-se a seu serviço. Jesus de fato realizou um constante serviço de mesa, mais do que a gente normalmente supõe, com pessoas pobres, doentes, deficientes, oprimidas, pecadoras. Um número surpreendente de narrativas apresenta Jesus realizando comunhão de mesa ou ensinando a partir da metáfora da comunhão de mesa. b) JESUS E AS CRIANÇAS - Quando os discípulos tentaram impedir que as crianças chegassem até Jesus, fica clara a forma como elas eram tratadas na época de Jesus. As crianças eram excluídas, por isso que tentaram barrá-las, mostrando a exclusão. Diante desse contexto de discriminação e exclusão das crianças, Jesus se coloca na contramão, acolhendo as crianças que eram rejeitadas, incluindo-as dentro da sua missão, conferindo valor a elas e amando-as por aquilo que elas são, crianças. E mais, Jesus coloca-as em preeminência ao afirmar que delas é o reino de Deus: “Eu afirmo a vocês que isto é verdade: quem não receber o Reino de Deus como uma criança nunca entrará nele” (Mc 10.14). Mais do que fazer uma afirmação teológica, Jesus faz uma denúncia contra a exclusão, não só das crianças, mas de todos aqueles que eram discriminados e colocados à margem pela sociedade e legitimado pela religião. E, Jesus vai além, dizendo que só entra no reino de Deus aqueles que receberem o reino como uma criança (Mc 10.15). c) JESUS E OS ENFERMOS - Na época de Jesus haviam poucos médicos e o acesso era muito difícil, especialmente por parte dos pobres. Em algumas localidades, nem médico tinha. A doença era vista como uma maldição, consequência do pecado, portanto castigo de Deus. A doença que mais representava essa visão era a lepra. Por trás da lepra estava todo um discurso religioso justificando a condenação dos doentes à exclusão. Ao curar, Jesus demonstrava sua compaixão, colocando-se ao lado dos que sofrem, quebrando as barreiras da exclusão. Gaede Neto(2001, p. 154) diz que Jesus em sua compaixão, “não teme contaminar-se nem com a doença do leproso nem com a doença da sociedade”. D) JESUS E AS MULHERES - Na sociedade judaica do tempo de Jesus, a menina era considerada adulta com doze anos e meio. Toda mulher deveria se casar e o processo do casamento começava com a chegada da puberdade. O marido era escolhido pelo pai e não poderia ser recusado. A mulher tornava-se propriedade do marido. Gaede Neto apud Rizzante(2001, p. 165) escreve que “desde a adolescência até a menopausa, a mulher era marginalizada do convívio da sociedade: como impura e causadora de impureza”. Jesus em seu ministério restaurou a dignidade da mulher. Muitas mulheres foram curadas por ele: a mulher que sofria com hemorragia (Mc 5.25-34); a filha de Jairo (Mc 5.21ss); a filha endemoniada da mulher siro-fenícia (Mc 7.24-30); a sogra de Pedro (Mc 1.29-31) etc. Ao curar às mulheres, Jesus também quebrava com a exclusão em que viviam. A mulher com hemorragia toca nas vestes de Jesus e, segundo a Lei, tornava Jesus impuro, mas Jesus a acolhe e não a condena, dividindo com ela o fardo da impureza que a fazia sofrer há tanto tempo. Ele chama a mulher de filha, restaurando a cidadania do povo de Deus e a despede com a paz, shalom, voto que quer dizer bem-estar, saúde, felicidade. Ela agora é também filha do reino e seguidora de Jesus.
Diante da exclusão, da dominação, da exploração e da violência, Gaede Neto mostra que com Jesus aprendemos que a realidade do reino é diferente: “Entre vós não é assim”(Mc 10.43). É uma mudança de paradigma para aqueles que querem viver como súditos do reino inaugurado por Jesus.
Rev. Marcos Nunes da Silva
Diretor da FATIPI
Pastor da IPI da Vila Carrão
Texto maravilhoso, muito esclarecedor e encorajador. Obrigado Rev. Marcos, por se deixar ser um instrumento de Deus par nos instruir. Deus abençoe sua vida!
Muito bom este texto Rev. Marcos! Sou presidente da mesa diaconal da minha igreja e busquei orientação sobre práticas diaconais com os responsáveis da IPI. Infelizmente, NUNCA recebi resposta para os e-mails enviados. Felizmente, a orientação veio da Fatipi!
Excelente texto! Um abraço, Rev Marcos!