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INTOXICAÇÃO PENSAMENTOSA

Atualizado: 8 de jul. de 2022

Da mente exausta para mente de Cristo

Valdinei Ferreira


Mentes exaustas são o retrato do que vivemos em nossos dias. A exaustão é democrática do ponto de vista geracional, uma vez que afeta a mente experiente dos idosos, a mente curiosa dos ado­ lescentes, a mente inquieta dos jovens e a mente preocupada dos adultos. A exaustão também é democrática do ponto vista ideológico, pois pessoas de direita, de esquerda e de centro sentem-se exaustas. Crentes ou descrentes não estão isentos da exaustão, uma vez que crentes e ateus estão entre os exaustos dos nossos dias.

Então, a primeira coisa que precisamos saber é que a exaustão não tem a ver com características de personalidade ou com ideo­logia ou religiosidade. A exaustão é fruto do tempo histórico no qual vivemos. Ela é um dos males do século que vivemos. Adiante trataremos mais sobre a relação entre a exaustão e as mudanças históricas, porém, antes, deixe-me precisar melhor o que estou chamando de exaustão: é um estado de travamento - você não consegue avançar, mas também não consegue parar e se desligar dos pensamentos. É uma agitação que faz sua atenção ficar pulando de uma coisa para outra sem conseguir ter satisfação ou se aprofundar em nada. Você não consegue parar, mas vai sendo en­golido por uma sensação avassaladora de que, embora não consiga parar, não está indo a lugar algum. Voltaremos a esse assunto, mas neste momento é importante reter a ideia da exaustão como estado de travamento.

Se a exaustão é uma das marcas do tempo que vivemos, como é que chegamos nessa situação? As raízes da exaustão po­dem ser encontradas na aceleração propiciada pela Revolução Industrial. As nossas relações com o tempo e com o espaço pas­saram por uma reconfiguração com o surgimento das máquinas e seu incessante aperfeiçoamento, após o advento da Revolução Industrial. Nas últimas décadas do século passado, com o desen­volvimento da internet, a aceleração alcançou um nível que seria inimaginável para os nossos antepassados. Tudo indica que a ace­leração seguirá cada vez mais intensa com a chegada da chamada internet das coisas, possível pela tecnologia 5G.

O tempo biológico é diferente do tempo das máquinas. Muitas vezes esquecemos que ainda somos seres biológicos, por­ tanto, precisamos comer, descansar e dormir. Máquinas podem ser aceleradas e trabalhar de modo ininterrupto. Quando a má­ quina quebra, é consertada ou substituída. Pequenas mudanças culturais lembram como tentamos funcionar no ritmo cada vez mais acelerado das máquinas. Recentemente foi celebrado o lan­çamento pelo aplicativo WhatsApp do recurso de aceleração de áudio. Não temos tempo e energia suficientes para lidar com a quantidade de informações que nos chegam, então, adaptamos nosso ritmo ao das máquinas. A raiz da exaustão mental de nosso tempo está na aceleração da vida.

A aceleração trazida pela avalanche informacional do nosso tempo não é algo apenas externo, mas seus efeitos são sentidos internamente na forma da aceleração de nossos pensamentos. É justamente aí que mora o perigo, uma vez que pensar é uma ferramenta importante para os seres humanos; porém, pensar de modo acelerado e descontrolado gera o que estou chamando de intoxicação pensamentosa. Trata-se, obviamente, de neologismo inspirado na conhecida intoxicação medicamentosa. A intoxica­ção pensamentosa é a superdosagem de pensamentos e pode ser dividida nas seguintes categorias:

Intoxicação pensamentosa pelo excesso de redes sociais: copia e cola, encaminha, curte, reage com comentários etc. Vive-se com a sensação de conexão permanente, de estar atento ao assunto do momento, ter que opinar sobre tudo e sobre todos - "posicionar-se sobre o assunto" - como se diz popularmente. O tempo de dar clique ou rolar a tela não é o mesmo da reflexão, da ponderação e do discerni­ mento espiritual. Queremos acelerar o tempo da reflexão como se fosse possível fazer download das ideias e reações. O que isso tem a ver com a exaustão? Não é difícil enten­ der - assim como os smartphones depois de algum tempo começam a travar, nossa mente vai travando e o estado de

exaustão se instala.

Intoxicação pensamentosa pelo excesso de preocu­pação com o passado: "E se eu tivesse feito isso e não aquilo..."; ou por ansiedade em relação ao futuro: "E

se acontecer .isso...".

Eu não quero que você fique com a impressão de que a úni­ca causa da exaustão é a avalanche informacional e seu consumo descontrolado. Sem dúvida alguma, a exaustão está presente prin­ cipalmente no mundo do trabalho, que cada vez mais é mediado pelo fluxo acelerado de dados. As fontes tradicionais de exaustão no mundo do trabalho continuam presentes, a saber: a meta que precisa ser alcançada, a concorrência permanente, a instabilidade crônica nos campos da economia e da política. Ainda no que se refere ao trabalho, a natureza democrática da exaustão alcança do executivo ao motorista de aplicativo. Mais do que isso, não pense­ mos que só fica exausto quem trabalha fora de casa. O terapeuta Alexandre Coimbra Amaral lembra com justiça que, no topo do ranking das pessoas exaustas, estão as mães, mulheres que fazem a jornada dupla - trabalham fora de casa e cuidam da casa e dos filhos-, e conclui: "O cuidado ao outro sem o cuidado de si é par­ te das doenças desse tempo, um vírus muito transmissível porque traz em si a máscara na nobreza" (AMARAL, 2021).

Você já se perguntou quem são esses que cuidam dos outros a ponto de deixar de cuidar de si mesmos? São as mulheres que se sacrificam para cuidar de todos na casa; são os profissionais da saúde, principalmente no tempo de uma pandemia como a da Covid; são os professores, mergulhados em rotinas estressantes e sem a valorização social; são os militantes sociais que lutam em favor da população mais pobre e os líderes religiosos, sempre dis­poníveis ao contato e permanentemente submetidos à avaliação da sua performance. Nesses casos, é comum acelerar até o limite da exaustão e detonar a vida profissional e privada. Os efeitos da exaustão são: emoções à flor da pele, irritabilidade, dificuldade de concentração, esquecimento, insônia, perda da empatia, solidão, consumo de drogas lícitas e ilícitas, dentre outros.

Essa é nossa primeira aproximação sobre o tema da mente exausta e a intoxicação pensamentosa. Continuaremos escavando o terreno nos capítulos que se seguirão, entretanto, com o que foi dito até aqui, já é possível perceber a importância do tema para vida na atualidade.

"NÓS, PORÉM, TEMOS A MENTE DE CRISTO"

A frase acima é de autoria do apóstolo Paulo e encontra-se na Primeira Carta aos Coríntios, capítulo 2, versículo 16. Que significa ter a mente de Cristo na era dos algoritmos? O que após­ tolo queria dizer quando escreveu num pergaminho: "Nós, porém, temos a mente de Cristo". Esse versículo, lido na tela de um smar­tphone, permanece tendo o mesmo significado?

Quando examinamos o tema da mente humana, é sempre importante que se faça a distinção entre cérebro e mente. Sabemos que a mente é central para a experiência humana sob o ponto de vista da identidade e da sobrevivência. O cérebro é a rede material feita de neurônios, sinapses e substâncias bioquímicas. A mente é um fluxo de experiências subjetivas, tais como o sofrimento, o prazer, a raiva e o amor. Permanece o mistério sobre como a mente emerge da base material de pouco mais de um quilo que chama­mos de cérebro.

Escrevendo aos Coríntios, no capítulo citado, o apóstolo Pau­lo ressalta que não recebemos o espírito do mundo, mas o Espírito de Deus. Uma das tarefas do Espírito Santo é ajudar a penetrar nas profundezas do nosso ser, da nossa mente, dando-nos discer­nimento espiritual das causas da nossa exaustão.

Jesus Cristo veio ao mundo para nos trazer vida abundante, e não uma vida de travamento e exaustão. A intoxicação pensa­ mentosa é um estado de desconformidade com o estilo de vida trazido por Jesus. Em Cristo estão os tesouros da sabedoria e do conhecimento (Colossenses 2:3), sabedoria e conhecimento para experimentar a vida abundante, discernindo o que deve ser abraça­ do e o que deve ser deixado de lado. Nesse sentido, "ter a mente de Cristo" é deixar-se moldar profundamente pelo Espírito Santo em meio às realidades desafiadoras que vivemos. Não há um conjunto de regrinhas, mas existem princípios que cada pessoa deve adaptar à sua realidade. Compartilharei com você, nos capítulos que se seguem, alguns desses princípios e como você poderá aplicá-los à sua vida para fazer a passagem da mente exausta para a mente de Cristo. Os princípios são os seguintes: o princípio da presença e a mente de Cristo; o princípio da aceitação e a mente de Cristo; o princípio da gratidão e a mente de Cristo.

O apóstolo Paulo escreveu, inspirado pelo profeta Isaías: "Nem olhos viram, nem ouvidos ouviram, nem jamais pene­ trou em coração humano o que Deus tem preparado para aqueles que o amam".

Muitas vezes, a passagem acima é citada em funerais para falar a respeito das belezas do Céu. Entretanto, quando lemos com cuidado a passagem e seu contexto na primeira carta aos Coríntios, percebemos que em jogo está o contraste entre a sabedoria dos poderosos deste mundo e a sabedoria encontrada em Jesus Cristo. Logo após dizer "nem olhos viram, nem ouvidos ouviram, nem jamais penetrou em coração humano o que Deus tem preparado para aqueles que o amam", Paulo escreverá: "Mas Deus no-lo revelou pelo Espírito; porque o Espírito a todas as coisas perscruta, até mesmo as profundezas de Deus" (1 Coríntios 2:10).

Ter a mente de Cristo é descobrir, pelo Espírito Santo, o que Deus tem preparado para aqueles que se tornaram discípulos do mestre dos mestres. Deus não preparou para você uma vida de exaustão, de irritação, uma vida com os nervos à flor da pele. Deus não preparou para você uma vida intoxicada de preocupações com o passado - que chamamos de culpa-, ou uma vida intoxicada de preocupações com o futuro - que chamamos de ansiedade. Tampouco quer Deus que a sua mente exausta seja um lago lamacento, sem oxigênio e, consequentemente, sem vida e beleza. Deus nos oferece a passagem da mente exausta para a mente de Cristo e, quando essa passagem se dá, você descobre, no fundo desse lago, abundância de vida, de cores, de movimentos e correntes renova­ doras.

A passagem da mente exausta para a mente de Cristo não é a promessa de uma vida fácil, sem dificuldades e lutas que são próprias da existência humana. O próprio Jesus ensinou: "... no mundo, passais por aflições, mas tende bom ânimo, eu venci o mundo" Qoão 16:33). A pessoa que possui a mente de Cristo não vive numa realidade paralela, mas enxerga a realidade pela lente da fé no filho de Deus. Não significa que aquele que tem a mente de Cristo veja o que os outros não veem, ter a mente de Cristo é ver a mesma realidade de lutas e aflições, mas com outros olhos e, principalmente, com outra atitude.

O filósofo Dallas Willard (2001) observa que os cristãos modernos estão dispostos a aprender sobre a vida com qualquer pessoa, menos com Jesus. Ele afirma que perdemos o discernimento entre informação e sabedoria. Bem, agora que estamos com a mente exausta debaixo dos gigabytes e dos terabytes de informações, talvez estejamos dispostos a descobrir a vida sob a ótica do mestre Jesus de Nazaré.

Você está se sentindo exausto? Sente que não controla mais seus pensamentos? Está sob o efeito da intoxicação pensamentosa? Irritado, distraído, incomodado, desiludido, descarregado de força e esperança para viver e enfrentar os desafios do dia a dia? Aceite o convite do mestre dos mestres:

Vinde a mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração; e achareis descanso para a vossa alma. Porque o meu jugo é suave, e o meu fardo é leve. (Mateus 11.28-30)

Aprenda a respeito de Jesus com ele mesmo. Assente-se aos pés dele como fez Maria em Betânia. Experimente colocar em prá­tica o que ele ensina, como fizeram Pedro e os discípulos no Tiberíades que, exaustos depois uma noite de trabalho sem apanhar um só peixe, ouviram e obedeceram ao mestre quando ele lhes disse: "Lançai a rede à direita do barco e achareis". Ou talvez você ouça do mestre uma palavra de desafio, como aconteceu com o jovem rico: "Uma coisa ainda te falta: vende tudo o que tens, dá-o aos pobres e terás um tesouro nos céus; depois, vem e segue-me".

Aquilo que brotará na sua vida do relacionamento e do pro­ cesso de aprendizado com Jesus eu não sei, e provavelmente ninguém saiba, mas tenho certeza de que a formação da mente de Cristo na sua vida, além de tirá-lo da exaustão, revelará para você uma realidade que, nas palavras de Paulo, "nem olhos viram, nem ouvidos ouviram, nem jamais penetrou em coração humano o que Deus tem preparado para aqueles que o amam".


Este texto é o capítulo 1 do livro "Intoxicação Pensamentosa".


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