Peter Berger foi um dos sociólogos que mais se debruçou sobre o tema da secularização, tendo chegado à conclusão de que o fenômeno da secularização não se efetivou de maneira homogênea nos diferentes continentes. Ao contrário, o que se percebeu foi o crescente fortalecimento da religiosidade. Frente a essa constatação, o pluralismo religioso tornou-se, para ele, o grande paradigma atual.
Sendo assim, o livro “Sempre se reformando: a fé reformada em um mundo plural!”, da Pendão Real, de Shirley C. Guthrie, é obra de inegável relevância para o contexto reformado brasileiro.
Guthrie conseguiu conciliar profundidade teológica com simplicidade, tornando o texto compreensível aos mais variados públicos.
Em 6 capítulos, ele aborda diferentes temas que nos desafiam à reflexão teológica na perspectiva reformada.
Para o autor, o relativismo religioso da tradição reformada decorre do fato que a dogmática deve se submeter a três instâncias: as confissões, as Escrituras e o contexto vivencial da igreja.
Ao destacar a importância das confissões, Guthrie nos lembra que elas dizem respeito à compreensão das Escrituras em determinado espaço e tempo, ou seja, todas as diferentes confissões reformadas confessam “sua fé no único e trino Deus. Todas expressam a mesma fé em Jesus Cristo como nosso único Senhor e Salvador. Todas reconhecem a autoridade única das Escrituras”.
No entanto, essas mesmas confissões divergem quanto ao tema da predestinação ou eleição, apontando cada uma delas para as suas limitações.
Ao destacar a instância da Escritura, algumas regras são imprescindíveis para os cristãos de tradição reformada que desejam interpretá-la no contexto plural como o nosso.
Em primeiro lugar, deve-se levar em consideração o princípio de que a Escritura interpreta a própria Escritura. No entanto, Guthrie acrescenta: “Temos de procurar interpretar a mensagem bíblica em diálogo com outras pessoas que são diferentes de nós – pessoas que, na verdade, também têm seus preconceitos, mas que podem nos ajudar a ver coisas, na palavra de Deus, que somos incapazes ou relutamos em ouvir e ver a partir da nossa perspectiva particular”.
Neste sentido, a interpretação bíblica deve ser realizada em conjunto.
Segundo Guthrie, a interpretação bíblica não deve abdicar do princípio cristológico, do princípio do amor e do princípio da fé.
Ao olhar para Cristo, questões difíceis da contemporaneidade podem ser tratadas com amor capaz de eliminar a hostilidade e indiferença, e também pela fé que nos convida a considerar o que Deus falou e fala a outros coletivamente, a fim de não incorremos no perigo de “confundir a orientação do Espírito com nossos próprios preconceitos pessoais e sociais”.
Por fim, ao destacar a instância do contexto histórico, Guthrie enfatiza que a fé reformada é fé no Deus vivo que falou a pessoas no passado e continua falando dinamicamente no presente.
O que foi dito antes não pode ser ignorado.
No entanto, o que foi dito não deve ser defendido com tamanha rigidez que ignore o Deus que fala ainda hoje, em nosso contexto pluralista. Assim, “atingimos aquilo que, segundo creio, é o próprio cerne da fé dos cristãos reformados, a razão subjacente às outras razões para o ‘relativismo religioso’ da tradição confessional reformada, e a razão mais fundamental para a sua compreensão sem paralelos da relação entre a autoridade bíblica, a tradição da igreja e o contexto histórico-social”.
Recebi de presente o livro que estamos comentando. Era um livro já lido e anotado por leitores anteriores. A primeira anotação do livro me chamou a atenção. Seu primeiro leitor fez questão de registrar que já o havia lido três vezes com gratidão pelo conhecimento adquirido a cada leitura. Foi a expressão dessa gratidão que me motivou a lê-lo e me possibilitou importantes reflexões teológicas.
Rev. Vardilei Ribeiro da Silva, tutor do Curso de Teologia EAD da Faculdade de Teologia de São Paulo da IPIB (FATIPI)
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