Vivemos em tempos complicados. Possuímos um volume imenso de informações, mas somos cada vez mais desafiados a compreender, discernir e agir diante das múltiplas possibilidades de escolha que a informação nos oferece. Isto vale para a sociedade em geral e também para as igrejas cristãs. Basta ligarmos a televisão ou navegarmos pela internet ou transitarmos pelas redes sociais que somos bombardeados com inúmeros programas televisivos, vídeos, mensagens, postagens e anúncios comerciais sobre diferentes formas de cristianismo, vida cristã, espiritualidade, etc. Diante desse quadro, fica a pergunta: como discernir o valor dessas informações e agir adequadamente para a glória de Deus?
Na experiência e na tradição reformadas, a glória de Deus é o alvo da vida cristã. E Deus é glorificado quando vivemos na semelhança de seu filho Jesus Cristo, nosso Senhor e Salvador. Vivemos na semelhança de Jesus Cristo quando somos cheios do Espírito Santo. Quando glorificamos a Deus, vivendo como Cristo, na força do Espírito, também alcançamos a felicidade, a bem-aventurança, porque podemos também desfrutar da presença e das bênçãos de Deus em nosso dia-a-dia. A vida cristã e a espiritualidade cristã, na tradição Reformada, não se define por um conjunto de regras éticas, morais ou religiosas. A vida cristã, na perspectiva Reformada, é uma constante busca de glorificarmos a Deus e de desfrutarmos de sua presença e bênçãos. Viver na constante comunhão com Deus é o pleno prazer que alcançamos, infinitamente superior a todos os demais tipos de prazer existentes na vida humana.
Como sabemos, então, que vivemos para a glória de Deus e desfrutamos realmente de sua presença, bênçãos e poder? A resposta da experiência e da tradição Reformada é clara e simples: quando a Palavra de Deus nos diz que assim vivemos. Nós, cristãs e cristãos reformados, temos algumas diferenças em relação a outras formas de espiritualidade no cristianismo. Por exemplo: não baseamos a nossa vida em experiências de êxtase, pessoal ou comunitário, como no pentecostalismo; não baseamos a nossa vida na subserviência a doutrinas e a um literalismo na interpretação da Bíblia, como no fundamentalismo; não baseamos a nossa vida em uma experiência de coração aquecido, como no metodismo.
Isto quer dizer que uma pessoa, na tradição Reformada, não terá experiências de êxtase ou de “coração aquecido”? Não. A experiência individual é múltipla e variada, de modo que um cristão reformado poderá, sim, se Deus assim realizar, falar em línguas, ou se emocionar no culto, ou desfrutar de momentos intensos de gozo na presença de Deus, etc. Nada disso, porém, será a base e a constância de nossa vida cristã, de nossa espiritualidade. Por quê? Porque aprendemos na Escritura que a base e o alvo da vida cristã são teocêntricos e não antropocêntricos. Tornamo-nos cristãos porque Deus age em nossa vida. Somos espirituais porque Deus age em nossa vida. Assim, temos vida plena como seres humanos na presença de Deus, para a sua glória eterna.
E a Escritura nos ensina que o padrão da ação de Deus na vida dos seres humanos não é a emoção, o êxtase, o conhecimento doutrinário, etc. O padrão da ação de Deus em nossa vida é o amor que justifica, liberta, santifica e glorifica. Em termos práticos: Deus age, na justificação, para que sejamos pessoas justas e pratiquemos a justiça nas relações pessoais, eclesiais, sociais, econômicas, políticas, culturais e ecológicas. Deus age, na libertação, para que sejamos livres e vivamos vida de integridade moral e ética com liberdade, mediante a prática do amor ao próximo. Deus age, na santificação, para que sejamos santos e vivamos no poder do Espírito que nos torna semelhantes a Jesus, que foi fiel ao Pai na realização da sua missão. Deus age, na glorificação, para que sejamos pessoas transformadas e desfrutemos da comunhão com Deus na eternidade.
É por isso que a Bíblia precisa ocupar um lugar importante em nosso dia-a-dia. Estudar diariamente a Bíblia é uma das marcas da espiritualidade Reformada. Por quê? Porque a Bíblia é testemunho direto da Palavra de Deus e está acima das doutrinas, das experiências e mesmo das confissões de fé. A Bíblia é nossa orientação neste mundo tão repleto de informações e desafios. A Bíblia lida e interpretada como Palavra de Deus mediante mãos humanas. Não a Bíblia como um ídolo, um deus de papel a quem adoramos com subserviência ignorante. Cristãs reformados, como nós, leem a Bíblia com liberdade e inteligência, com santidade e discernimento, com justiça e fidelidade a Deus, aguardando a glorificação final enquanto buscamos glorificar a Deus agora.
“Lâmpada para os meus pés é a tua palavra, e luz para o caminho” (Sl 119.105). Não troque a luz infinita da Palavra pelas luzes passageiras da experiência, da doutrina, do mercado, da ideologia, etc. Ouse! Estude constantemente a Palavra. Não seja apenas “mais um” a fazer o que todo mundo faz. Ouse ser diferente, no poder de Deus e para a sua glória!
Rev. Júlio Paulo T. M. Zabatiero
Professor e coordenador da pós-graduação da Faculdade de Teologia de São Paulo da IPI do Brasil (FATIPI)
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