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"APASCENTA AS MINHAS OVELHAS"

Uma das mais belas expressões de Jesus, no que se refere ao cuidado pastoral, é registrada pelo apostolo João, quando da sua emocionante conversa com o apóstolo Pedro. Após suas atitudes de negação, Pedro é conduzido pelo Mestre à percepção de que pastorado se faz com atitudes baseadas nos princípios da encarnação. Simplesmente o Mestre lhe diz: “Apascenta as minhas ovelhas”.

     Pensar no pastorado sem o ato da encarnação, torna-se algo distante e vazio, visto que a nossa vocação visa o cuidado de pessoas que buscam em nós, palavras e atitudes que transmitam paz, segurança e esperança. Inspirados em tão linda expressão, voltemos nossos olhos às orientações paulinas destinadas aos jovens pastores, Timóteo e Tito. Nelas, Paulo procura conduzi-los à uma ação ministerial eficaz e de frutíferos resultados. Ambas as cartas demonstram uma preocupação apostólica, de combate às heresias pregadas em seu tempo, que levava muitos ao abandono da fé ou a busca de novos ventos de doutrinas. Vejamos algumas de suas preciosas lições.

    A primeira lição: organização e disciplina. Paulo prezava pela organização e disciplina nas igrejas que pastoreava. Timóteo e Tito receberam instruções claras e determinantes de que organização e disciplina são bases solidas de quem pretende servir no Reino de Deus. Instruções de como proceder no culto (1Tm 2.8-15), na preparação de oficiais para exercício do ministério (1Tm 3; Tt 1.5-9) e quanto aos deveres dos pastores frente as diversas faixas etárias (1Tm 5. 1-2), são frequentes e bem claras nas pastorais.

      Na linguagem bíblica, tais questões passam pelo campo da ética e da conduta moral. É Deus mesmo quem cuida de sua Igreja, orientando e corrigindo o comportamento pastoral.  Infelizmente, vivemos em um país influenciado pela prática da improvisação e indisciplina. O excesso de organização e disciplina muitas vezes nos incomoda. Esse mal que nos acompanha em diversas ocasiões, se não diagnosticado e tratado, tende a provocar grandes enfermidades em nosso contexto religioso, especialmente no ministério pastoral, não nos permitindo apascentar as ovelhas de Cristo.

     A segunda lição: busca de conhecimento. Realizar qualquer função que produza resultados de qualidade exige competência e determinação. Essa competência não surge por obra do acaso, mas é resultado de uma busca constante de inúmeros conhecimentos. Timóteo tinha consciência da responsabilidade, apesar da profunda crise pela qual passava. A orientação da epístola para que se dedicasse “à leitura, à exortação e ao ensino” (1Tm 4.13), veio em boa hora reavivar o dom que nele existia.

Na opinião de Paulo, um ministério promissor deveria ser marcado pela prática do estudo e paixão pela pesquisa. Na visão paulina, o pastor necessita estar aberto aos estudos, não fechado ao novo, para que tenha condições de exortar e ensinar com autoridade a sua igreja. Eis uma bela exortação à nossa prática pastoral, independentemente do tempo de ministério. Se estudamos pouco, consequentemente sabemos muito pouco, inclusive no que se refere a nossa atitude devocional. Creio ser este um dos fatores determinantes nas inúmeras crises do ministério pastoral. Exemplo, são líderes que com o primeiro “vento de doutrina” mudam completamente de posição e princípios. É claro que quando não se tem um mínimo de firmeza doutrinária e de embasamento bíblico-teológico, o argumento acaba rapidamente e é preciso apelar a um novo tipo de ministério como garantia de sobrevivência. Quando teologia, filosofia, sociologia e outras ciências conseguem se dialogar, muitos desastres eclesiásticos são evitados.

     Terceira lição: descentralização humana. A influência da sociedade em levar o ser humano ao controle de tudo e de todos é adquirida por alguns líderes de forma personalista e centralizadora. Jorge León, falando sobre as tensões do ministério pastoral levanta dois grandes complexos enfrentados pelo ministro, nos quais, facilmente podemos cair. Diz ele: “Um é o complexo heliocêntrico, no qual o pastor espera que todos na igreja girem em torno dele, como os planetas giram ao redor do sol (helios). O outro complexo é o de Alfa e Ômega. Os que padecem desse complexo costumam pensar assim: ‘antes de mim não acontecia nada, quando eu for embora dessa comunidade tudo virá abaixo’. Trata-se de duas expressões do narcisismo pastoral das quais não podemos nos desprender com facilidade. Devemos estar alertas, porque o inimigo que mais mal pode nos fazer existe dentro de nós mesmos” (1996, pg 191). Uma ação ministerial eficaz, abomina todo o tipo de centralização de poder que não esteja voltado à pessoa de Jesus Cristo. É dEle, por Ele e para Ele que são todas as coisas, e cabe a nós servos e servas do seu reino o desenvolvimento real dessa ação. O ministério de Jesus encarnou as reais necessidades humana, onde o homem é o objetivo primeiro da ação de Deus, pois a ação pastoral de Jesus visava o resgate da dignidade humana e isso sempre na condição de servo.

      A quarta lição preciosa que Jesus que nos ensina acerca do ministério é que devemos ter respeito à cultura. Desejando ou não estamos inseridos em um ambiente cultural, a partir do contexto e local em que vivemos. O diálogo com a cultura traz à pastoral a oportunidade de perceber o verdadeiro lugar da missão de Deus. Impossível separar a comunidade cristã do seu contexto cultural e das influências que o mesmo exerce sobre ela. Uma ação ministerial de resultados começa pelo respeito à cultura do povo onde estamos realizando o nosso ministério. Devido a má compreensão desse fator determinante, temos presenciado momentos de uma pastoral doente, impossibilitada de dialogar com o ser-humano sofredor.

     As primeiras comunidades foram criadas em distintas culturas e contextos. Isto é percebido com facilidade, quando lemos as cartas às diversas Igrejas do Novo Testamento. Os apóstolos pastoreavam confrontando e ao mesmo tempo respeitando a história das comunidades. O não respeito à cultura tem gerado um ministério mais preocupado com usos e costumes do que com “sã doutrina”.  A preocupação com o que comer, beber, vestir etc, tem ocupado o lugar de fatos relevantes e impedido a conquista de maior espaço da igreja na sociedade. É tarefa do teólogo ou teóloga pastoralista confrontar as suas práticas ministeriais com sua tradição e fé, oferecendo à comunidade a oportunidade de discutir o seu dia a dia com maturidade advinda do evangelho.

 A quinta e última preciosa lição é o reconhecimento da comunidade e a aprovação de Deus. Essas duas coisas caminham juntas. Talvez seja até fácil realizar a primeira, porém, ela somente será completa quando receber expressamente a aprovação de Deus. Tanto Timóteo quanto Tito receberam orientações explícitas de como deveriam se colocar diante de determinadas situações, com dignidade e postura cristã.

      Ninguém receberá reconhecimento da comunidade e aprovação divina se não se tornar “padrão dos fiéis, na palavra, no procedimento, no amor, na fé, na pureza” (1Tm 4.12). Quanto a Tito, deveria tornar-se “padrão de boas obras. No ensino, mostrar integridade, reverência, linguagem sadia e irrepreensível, para que o adversário seja envergonhado não tendo indignidade nenhuma que dizer a nosso respeito” (Tt 2.7-8).

     Um ministério reconhecido pela comunidade e aprovado por Deus traz o selo do Espírito Santo. Este habita na Igreja, caminha com ela e fornece as diretrizes básicas para a realização frutífera de toda e qualquer atividade pastoral. Cabe ressaltar nossa preocupação com ministérios “itinerantes”, aonde muitos não conseguem escrever uma bela história pelas igrejas que passam. Um ano ou dois e as mudanças acontecem. Precisamos avaliar tal questão à luz do reconhecimento da comunidade e da opinião divina.

     Para concluir, essas são pequenas teses para uma enorme discussão. Penso que nesse tempo em que comemoramos mais um “Dia do pastor e da pastora”, vale a pena olhar para dentro de nós mesmos, refletir sobre nosso modelo de pastorado e os resultados efetivos que temos produzido na vida da comunidade, ou seja, a diferença que temos feito na vida das pessoas.

     Precisamos reconhecer que a igreja é fonte de bênçãos em nossas vidas. Mesmo diante das lutas e dos sofrimentos de colegas pastores e pastoras que lutam com dignidade e convicção, é na igreja local que somos tocados pela graça divina que nos inspira ao cuidado e ao trabalho pastoral.

    Ao longo de mais de três décadas servindo como pastor na IPI do Brasil, posso afirmar, com plena convicção, que sou o que sou, primeiramente pela graça de Deus e depois pela Igreja que me formou e me deu condições de com ela se desenvolver.

       As inúmeras histórias e experiências vividas na igreja local foram nos dando condições de se sensibilizar a cada dia com as necessidades humanas, diante de pessoas longe da graça divina. As questões colocadas acima devem servir como oportunidade de reflexão sobre o nosso ministério, nossas atitudes e tamanho da visão que temos do Reino de Deus. Somente assim, cumpriremos a ordem de Jesus, determinada a Pedro: “Apascente as minhas ovelhas”.


Silas de Oliveira

Professor da FATIPI

Pastor da Primeira IPI de Limeira-SP

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