A ordenação feminina ao presbiterato e ao pastorado completa 20 anos na IPI do Brasil neste ano de 2019. Neste período, o exercício do ministério ordenado exercido por mulheres tem encontrado muitos obstáculos, alguns aparentemente intransponíveis, mas também tem sido um tempo de oportunidades para avaliação, para reconhecer caminhos abertos, nos quais as mulheres são fortalecidas para continuarem convictas da vocação recebida de Deus.
Muitas são as dificuldades encontradas por presbíteras e pastoras nas mais diversas regiões do país, as quais são importantes para uma reflexão por parte de todos os concílios e igrejas locais. Há dois apontamentos que a educação teológica deve considerar, os quais dizem respeito ao chamado de Deus e à compreensão acerca do ministério ordenado.
O primeiro apontamento é: um chamado irresistível. O chamado de Deus para transmitir a sua mensagem, inicialmente, enche o coração de dúvida, de medo, do sentimento de incapacidade para o cumprimento da difícil missão. Foi o que ocorreu com Jeremias, profeta que julgou não estar pronto para falar ao povo e resistir às perseguições (Jr 1.4-10); o profeta Jonas, inconformado em ter que pregar a destruição dos ninivitas, elaborou um plano de fuga (Jn 1.3); o grande líder Moisés julgou ser incapaz de libertar o povo de Israel do jugo egípcio (Ex. 3.7-11). E o que dizer dos apóstolos que, ao serem convocados por Jesus, deixaram suas atividades e o seguiram, sabedores das dificuldades que encontrariam pelas trilhas da Galileia rumo à Jerusalém, onde o Mestre foi crucificado.
Assim como muitos homens foram chamados para missões específicas, mulheres também foram designadas para dirigir o povo de Deus, principalmente em tempo de crise. Débora, a mulher “como uma personalidade multifacetada, que combina os poderes de juíza, de profetisa e de líder na guerra”. Por meio desta mulher, Deus salva o seu povo na luta contra o exército canaanita liderado por Sísera (Jz 4). Além de Débora, Hulda, profetisa que, consultada pelo rei Josias, disse, da parte de Deus, o que iria ocorrer com o povo desobediente e infiel. Nas narrativas do Novo Testamento, encontramos muitas mulheres que seguiram a Jesus, que dispuseram seus bens para que a mensagem de Deus alcançasse pessoas em diversas cidades, que foram testemunhas oculares no ministério, morte, ressurreição e ascensão de Jesus. Por exemplo: Maria Madalena, Joana, Maria, Susana (Mt.27.55-56; Lc 8.1-3). Temos também mulheres que aceitaram os ensinamentos dos apóstolos e foram líderes na igreja cristã nascente, como Lídia (At. 16.11-15, 40), Priscila (Rm 16.3-5), entre outras.
Tanto no Antigo quanto no Novo Testamento, as mulheres que foram chamadas para transmitirem a mensagem de Deus. Elas não são apenas personagens para serem lembradas, pois representam mudança de paradigma na sociedade em que estiveram inseridas, foram participantes no projeto do amor de Deus em favor da humanidade.
O chamado divino foi e é irresistível e a Deus compete convocar, vocacionar homens e mulheres para proclamarem o seu Reino, para anunciarem o Evangelho de salvação, para cuidarem das pessoas que fazem parte da igreja de Cristo, para testemunharem o amor e a graça de Deus a todo ser humano e para cooperarem nas decisões das igrejas que professam o senhorio de Cristo.
O segundo apontamento é: uma teologia que surge no cotidiano. Teologia não é um ato isolado da vida da igreja. Não pode ser entendida como um tipo de conhecimento demarcado por interpretações únicas que se colocam como verdades absolutas. A teologia que nasceu no caminhar de Jesus na Galileia estava muito distante da compreensão de alguns dos seus interlocutores. O Mestre demonstrou que falar de Deus e vivenciar os ensinamentos das Escrituras estavam além do radicalismo legal, das práticas sócio religiosas institucionais. Jesus fez teologia ao acolher as pessoas, ao questionar o legalismo que desconsiderava as necessidades humanas, ao inverter os valores convencionais e desafiou seus seguidores e seguidoras a amar a Deus e ao próximo com atitudes de renúncia, de perdão, de desprendimento das coisas materiais. Sendo assim, pode-se entender a teologia como o estudo da ação de Deus na história do seu povo, na vida das pessoas, por isso é reflexão que tem por fundamento os ensinamentos da Palavra de Deus em tempos e contextos diferenciados e traz luz para a sociedade enferma.
As duas décadas do pastorado exercido pelas mulheres na IPI do Brasil refletem uma teologia não esquemática, cartesiana, inflexível e procura repensar o fazer teológico no diálogo entre conceitos e vivências cotidianas e tem como referência o princípio vocacional que vem de Deus, o compromisso assumido com Jesus para pregar, acolher, cuidar e tomar decisões concernentes às organizações eclesiásticas e a capacitação promovida pelo Espírito Santo.
Assim como mulheres exerceram funções que majoritariamente foram executadas por homens, como encontramos na narrativa bíblica, na história da igreja muitos exemplos podem ser encontrados, ainda que não façam parte da história oficial. Atualmente, não obstante, o discurso que as mulheres que fazem parte da liderança, das instâncias em que as decisões são elaboradas, discutidas e selecionadas, buscam o poder, muito há a ser feito para que homens e mulheres ajam como cooperadores em todos os ministérios, indistintamente, em prol do Reino de Deus.
Ainda que preconceito, intolerância, violência simbólica existam, há de se considerar que presbíteras e pastoras têm exercido o ministério ordenado com dedicação, zelo e ousadia, na certeza de que os medos, as angústias e as inseguranças serão enfrentados e irão prevalecer o chamado irresistível de Deus e o amor pela causa evangélica e a convicção do serviço a ser prestado independente das circunstâncias.
Novos desafios nos remetem a novas propostas, a atitudes de solidariedade, ao cuidado mútuo e ao despertamento de mulheres para o exercício do ministério ordenado, quando para ele forem chamadas.
Reva. Shirley Maria dos Santos Proença
Pastora da 1ª. IPI de Guarulhos-SP
Professora da FATIPI
Se me permitem, partilho aqui um artigo que escrevi sobre o pastorado feminino, baseado em I Timóteo 2:11-15: https://vidaemabundancia.blogspot.com/2013/04/consagracao-feminina-ao-pastorado-i.html
Então a IPI só está certa de vinte anos pra cá?
Desde a fundação em 1903 até vinte anos atrás estava errada?
Qual é a base bíblica para ordenação de mulheres?