Quando pensamos na Paixão de Cristo, a maior parte das pessoas, senão a maioria absoluta, aborda o tema na perspectiva teológica do benefício que esse evento proporcionou para a humanidade. Afirma-se, de modo acertado, sem dúvida, a importância de Cristo ter-se entregue pelos nossos pecados e assim redimido os pecadores do estado decaído em que se encontravam. Aborda-se também o quanto Cristo sofreu por nós, afinal ele veio para nos salvar. Mas e a pessoa de Jesus, o homem de Nazaré? Como terá sido para ele vivenciar aquele momento tão crucial? Em nossa reflexão iremos procurar abordar essas questões, tendo como base o texto bíblico e um pouco de análise psicológica a respeito da situação humana frente ao sofrimento em três momentos: a motivação, os sentimentos e a entrega de Jesus.
A motivação de Jesus era a vontade de Deus. Percebe-se nos Evangelhos que Jesus fazia tudo para cumprir a vontade de Deus. Fazia e ensinava do mesmo modo. Por isso, em algumas ocasiões, ele afirmou aos discípulos que iria para Jerusalém e lá seria preso e morto, mas ressuscitaria ao terceiro dia. Mateus chega a registrar o seguinte: “começou Jesus Cristo a mostrar a seus discípulos que lhe era necessário seguir para Jerusalém” (Mt 16.21). No seu íntimo pode ser que Jesus pensasse em outras possibilidades, que seu lado humano quisesse outras coisas. Mas sua motivação era superior à sua vontade própria. O que o motivava era o reino de Deus, não sua vontade pessoal. Percebe-se isso desde o relato da tentação, em que Jesus foi colocado à prova sobre suas prioridades: afinal, ele atenderia a si mesmo ou ao reino de Deus? Na resposta a Satanás (“nem só de pão vive o homem, mas de toda palavra que procede da boca de Deus” – Mt 4.4), ele deixa claro sua posição.
Em segundo lugar, os sentimentos de Jesus eram contraditórios. Mas, se Jesus tinha uma motivação clara sobre o que deveria fazer, será que seus sentimentos eram harmoniosos com suas decisões? Eis aí um ponto fundamental: como Jesus vivenciou emocionalmente aquele momento? Nos evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas, há uma forte memória a respeito da agonia que Jesus viveu no Getsêmani. Todos os três mostram a seguinte oração: “Pai, se queres [se for possível], passa de mim este cálice; mas, não se faça a minha vontade e sim a tua” (Mt 26.39 e paralelos). Há pelo menos três aspectos que podem ser explorados nesta oração. O primeiro é que Jesus não queria morrer. Isso é fundamental para entender a extensão e profundidade de seu sacrifício. Caso não fizesse diferença, significaria que, para ele, a vida não é importante. Logo, seu sacrifício teria um valor relativo, pois ele não teria nenhuma real empatia para conosco. Mas ele mostra nesta oração que se importava com a vida de todos, inclusive com a dele. Porém, estava disposto a se sacrificar pelo bem da humanidade. O segundo aspecto é que o conflito emocional de Jesus não representa desobediência. Assim mesmo ele obedeceu ao Pai. Isso mostra que sentimento e ação não são sinônimos. É possível, por exemplo, amar uma pessoa e fazer o bem a ela, sem gostar dela. Martin Luther King viveu uma situação assim, quando decidiu não abrir queixa contra um homem que o tinha esfaqueado. Ele disse que amava aquele homem e, ao ser perguntado se ele fazia isso porque gostava do homem, ele respondeu: “eu não gosto dele, mas o amo, como Jesus me ensinou a fazer”. Amar é atitude, não sentimento, e foi isso que moveu Jesus até o fim. Às vezes, fazer a vontade de Deus pode contrariar nossos sentimentos, e isso não é demérito, pelo contrário. Um terceiro aspecto a aprender sobre essa breve afirmação de Jesus é que não é pecado pedir a Deus que nos tire um determinado compromisso que nos fará sofrer. Pode ser até que ele nos libere do compromisso. Deus não nos quer como robôs, mas como seres pensantes, que demonstram para ele suas vontades. Foi assim com Jesus, exemplo máximo de obediência. Por que não poderia ser assim conosco, que somos mais limitados? Deus não nos castigará por confessarmos nossas limitações, pelo contrário, isso nos aproximará mais dele.
Por fim, a entrega de Jesus foi absoluta e irrevogável. Depois do Jardim, ao ser preso, Jesus já não tinha dúvida alguma, nem quis voltar atrás. Sofreu tortura, foi humilhado publicamente, mas em nenhum momento reclamou. Isso não quer dizer que não sentia nada. Certamente sofreu muito, tanto física quanto emocionalmente. Sentiu as dores dos tapas, da violência física contra ele, bem como das palavras rudes e escarnecedoras com as quais as pessoas o tratavam ali. Ao chegar na cruz, sentia que tinha cumprido sua missão, tinha conseguido cumprir a vontade de Deus. É este o principal sentido da expressão “está consumado” que ele declarou, conforme João 19.30. No registro destas palavras, estava a certeza de missão cumprida, de plenitude da existência a serviço de Deus e do próximo, da entrega absoluta que faz com que hoje possamos celebrar a plena vida com Cristo, pela fé na ressurreição.
Rev. Marcelo da Silva Carneiro
Professor na área de Bíblia da FATIPI
Muito obrigado
Extraordinaria visão. DEUS ABENÇOANDO o Seu Povo!