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Foto do escritorFATIPI FECP

MISSÃO E MISSÕES NO CONTEXTO DA MISSIO DEI

Na história da Igreja, missão e missões tiveram vários significados. Essa variação está relacionada a momentos vividos pela Igreja diante de grandes desafios da humanidade. Pode-se pensar, por exemplo, em missões no contexto do período de colonizações na América ou na África, sob o pretexto de levar a “civilização” ou bens da cultura do Ocidente para povos a serem conquistados, e por interesses políticos, econômicos, religiosos/doutrinários.

O conceito de missão tem sido relativo e chega a ser tendencioso, apesar de ser, no contexto bíblico-teológico, a parte central da teologia cristã. Do ponto de vista etimológico, o termo missão tem origem no latim missio ou missiones, no sentido de enviar para. Esta terminologia, de maneira mais ampla, dá-nos a ideia de libertação de alguém que está em uma prisão. Com a ideia de ação, cumpre a missão quem aceita o envio, aceitando-o; isto é, quem se dispõe a sair de um lugar em busca da quebra de correntes que subjugam o ser humano.

Nas Escrituras Sagradas é o próprio Deus quem se revela missionário, sem conotação ideológica ou pragmaticamente proselitista. Já, no Antigo Testamento, percebemos a iniciativa de Deus ao escolher um povo para ser testemunha de Seu propósito reconciliador para resgatar a dignidade humana e recompor a “sua imagem e semelhança”, manchadas pelo pecado. Jesus Cristo veio ao mundo como missionário de Deus, isto é, enviado especialmente por Deus para dar maior expressão à Missio Dei e estabelecer Seu Reino neste mundo.

A missão como Missio Dei, numa visão ampla da história, significa que Deus assume diretamente no mundo a tarefa de preservar e redimir a Criação, reconciliar pessoas consigo mesmas e criar comunidades fraternas e solidárias em torno da memória de seu Filho Jesus Cristo. Isto significa que o próprio Deus faz missão a partir de sua misericórdia. Esta ideia de missão nem sempre foi historicamente assim concebida na própria teologia; ou melhor, ainda hoje há quem veja diferentemente o conceito de Missio Dei. Entendia-se a missão a partir de alguns equívocos: como algo restrito à eclesiologia e tarefa da Igreja para garantir a sua expansão; como algo visto sob a perspectiva da soteriologia (doutrina da salvação), voltada para a ideia de salvar pessoas da condenação eterna; ou ainda em termos culturais, no sentido de oferecer privilégios e bênçãos do Ocidente cristão aos não cristãos espalhados pelo mundo.

Há mais de meio século tem havido mudanças significativas sobre como a Missio Dei pode ser melhor concebida, a partir da própria natureza divina e na escatologia. Essa mudança resultou de desdobramentos acontecidos na teologia bíblica e sistemática. Ressaltamos a contribuição de Karl Barth, que rompeu radicalmente com a visão iluminista da teologia e compreendeu a missão como derivada da própria natureza de Deus, tirando-a da eclesiologia e da soteriologia, colocando-a no contexto da Trindade. Desta forma, a Missio Dei passa a ser entendida como Deus, o Pai, enviando o Filho, e Deus, o Pai e o Filho, enviando o Espírito Santo. Deste ponto de vista, Pai, Filho e Espírito Santo enviam a Igreja para dentro do mundo para resgatar todos os que se tornaram prisioneiros do pecado.

A Conferência de Willingen, na Alemanha (1952), organizada pelo Conselho Missionário Internacional, que reformulou o mandato missionário e revisou as políticas de missão tradicionais, foi de grande importância para a adoção do conceito de Missio Dei. Em sua declaração final afirma que o movimento missionário tem sua origem na própria ação do Deus Trino, e que cada igreja cristã e cada pessoa cristã são co-participantes dessa ação que visa a salvação do mundo. Logo, nossa ação como Igreja não tem vida própria, a não ser que esteja nas mãos do Deus que nos envia, pois a iniciativa missionária provém apenas d’Ele, que é o sujeito da missão.

Em relação aos conceitos de missão e missões, gradativamente algumas mudanças têm acontecido. A ideia de missão, no singular, continua fundamenta quando ligada à ideia de Missio Dei. Mas missões, no plural, constitui um derivativo que tem passado por mudanças. O que se diz hoje, em decorrência da Conferência de Willingen (1952), é que “a era das missões chegou ao fim; iniciou-se a era da missão”. Com isto, quando insistimos simplesmente na ideia de salvação de almas e plantação de igrejas (como era o propósito inicial das missiones ecclesiae) como atividades missionárias, restringimos o conceito de Missio Dei, pois todo o trabalho missionário autêntico deve ser entendido como serviço dentro do propósito de participação na missão de Deus. Vale considerar que as missões, outrora realizadas, eram respostas historicamente condicionadas, com as quais as igrejas enfrentaram os desafios do passado, e que podemos entendê-las como formas transitórias de obediência à Missio Dei e que podem ser explicadas à luz desses desafios, mas que já não têm mais sentido para o atual momento, sendo, portanto, relativas e dispensáveis.

Em síntese, a Missio Dei existe a serviço do Reino de Deus, transcende diferenças religiosas e mostra que Deus não é refém de credos, teologias ou ideologias. Ela tem caráter universal e traz em si o propósito de libertar o ser humano das correntes que o escravizam. Ela expressa a soberania divina, no sentido de que Deus não está restrito a nenhum poder humano.


Rev. Leontino Farias dos Santos

Professor e Vice-Diretor da FATIPI

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