Se perguntarmos ao nosso redor, é certo que a maioria das pessoas que encontrarmos se considerarão, de uma maneira ou de outra, buscando viver de uma forma “justa”. Em outras palavras, qualquer que seja o nosso contexto, é muito provável que as pessoas com as quais nos relacionamos se declarem favoráveis a ações, práticas, políticas e ideias que estimulem a “justiça”!
Ainda que concordemos nessa disposição geral, não concordamos igualmente com a definição do que seja justo ou injusto. Diferentes definições levam a diferentes tomadas de decisão, e o cenário está pronto para darmos “de ombros”, colocando todas estas diferenças dentro do relativismo, apelando ao clichê de que essa é uma característica dos nossos tempos pós-modernos. Mas me parece que uma parte integrante da nossa natureza humana, depois da Queda e enquanto ainda estamos a caminho da nossa soberana vocação de Deus em Cristo Jesus, é que sejamos marcados por uma série de contradições a respeito da justiça.
Na longa passagem de João 18.33-19.16, temos um exemplo de como tais contradições acontecem. Esta passagem é representativa porque se trata do momento de um encontro pessoal com o Salvador: Jesus se coloca diante de Pilatos e é por ele interrogado. Neste cenário temos ainda os sacerdotes que, com seus interesses escusos e seu desejo de vingança, intencionalmente distorceram o sentido da justiça a fim de acusarem Jesus de um crime. Temos o povo que se deixou levar por esta manipulação, apoiando a condenação do Cristo. Pilatos, aquele que exerce na cena a função de um juiz, percebe a incoerência da situação toda, mas decide lavar proverbialmente as suas mãos, deixando que Jesus seja condenado à morte.
Neste encontro com Cristo que revela algumas das contradições humanas a respeito da justiça, prevalece a noção de que ela tem um caráter fundamentalmente retributivo. De acordo com essa concepção, as pessoas recebem o que merecem, ou seja, “fazer justiça” significa basicamente retribuir um determinado crime com uma punição adequada (aliás, é este o argumento dos sacerdotes nesta passagem!). Também dentro dessa concepção retributiva, ainda que de uma maneira mais positiva, podemos pensar em situações nas quais alguém faz o bem e recebe recompensas por isto. Nesse modo de encarar a justiça, abundam palavras e expressões como condenação, culpa, veredito e juiz, além de retidão, recompensa e inocência.
A noção de retribuição está de fato presente em toda a Bíblia. Mais do que isso, em Gálatas, temos a ideia de que esta noção é até mesmo um princípio inscrito na maneira como o nosso universo funciona, já que “de Deus não se zomba; pois aquilo que o homem semear, isso também ceifará” (Gl 6.7).
No entanto, restringir nossa total percepção de justiça à retribuição é um erro! Em primeiro lugar, porque percebemos que ela nem sempre pode ser encontrada na realidade, até mesmo em termos da ação de Deus! O próprio salmista pergunta, totalmente perplexo: “até quando, Senhor, exultarão os perversos?” (Sl 94.3). Em segundo lugar, a ideia de retribuição certamente não é a maneira principal pela qual Deus faz a sua justiça prosperar em seu Reino. Para darmos conta da justiça no Reino, precisamos pensar em sua dimensão redentora.
Como povo de Deus, somos diretamente abençoados por essa perspectiva redentora da justiça. O apóstolo Paulo nos garante que “o salário do pecado é a morte, mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna em Cristo Jesus, nosso Senhor” (Rm 6.23). Se conseguirmos fugir da noção demasiadamente “jurídica” do sacrifício de Cristo, veremos que a salvação não é recebida por nós como retribuição, mas como redenção!
E é aqui que podemos nos remeter ao advento – à vinda, ao nascimento do Senhor Jesus Cristo. Ele, como Deus encarnado, é quem estabelece a justiça divina. Por meio do encontro com o menino Jesus, o Deus encarnado, podemos superar as nossas contradições a respeito da justiça divina. Nele, a justiça com a qual Deus nos trata é redentora!
Busquemos então o Reino de Deus e a sua justiça redentora. Façamos o esforço para que a justiça saia de dentro das salas dos tribunais e tome o caminho das relações e situações diárias; para que esta prática se torne mais proativa e menos reativa; para que, enfim, não nos acomodemos com a ideia de que basta punir os culpados para que a justiça de Deus se estabeleça em nossa sociedade. Pelo contrário, trabalhemos para que valores do Reino, tais como solidariedade, cuidado e amor ao próximo, sejam ativamente implementados. A justiça redentora em ação significa que há paz – a Shalom de Deus – em meio ao seu povo. Que Deus nos dê a sua Paz!
Rev. César Marques Lopes
Gestor do Curso de Teologia EAD-FECP
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