A execução de Jesus na cruz, por ordem de Pôncio Pilatos, é um dos momentos climáticos do ministério terreno do Filho de Deus. Como um rebelde condenado pelo Império Romano, Jesus foi submetido a um tipo de sentença altamente cruel, pois a morte de uma pessoa crucificada era um processo longo e doloroso, às vezes apressado pelos soldados que dele estavam encarregados. Assim foi no caso de Jesus, com um dos soldados presentes atingindo-o com uma lança para apressar a sua morte.
Não é sobre a execução em si que pretendo conversar com vocês hoje. É tradição nas reflexões sobre a Paixão de Cristo dedicar atenção aos sofrimentos do Senhor na cruz, destacar as dores e angústias experimentadas por Ele para que a nossa salvação se tornasse possível. Meu objetivo é destacar outra dimensão da morte de Jesus na cruz: a sua natureza política. Sim! A morte de Jesus foi um ato político. Não apenas um ato político, é claro, mas, sem sombra de dúvidas, um ato também político.
Para começar, a decisão de matar Jesus na cruz foi tomada por duas instituições políticas: o Sinédrio e a assembleia dirigente da Judeia diante do Império Romano pela ordem do povo judeu. O governador romano, Pôncio Pilatos, o representante do Império na Judeia, era responsável pela manutenção da ordem e da paz. Jesus foi classificado por essas duas instituições políticas como um subversivo, um desordeiro político, um tipo de pessoa que poderia ser chamada hoje em dia de terrorista (embora sem razão, pois Jesus jamais praticou violência, não apoiando sequer a bravata de Pedro em cortar a orelha de um dos que foram prender Jesus no Getsêmani).
Estamos tão acostumados a olhar para a cruz como um símbolo da redenção (e com razão), que não conseguimos prestar atenção a um fato fundamental da crucificação: Jesus foi executado. Condenado pelo Império, ele foi condenado à morte. Como subversivo político, foi alguém considerado como uma ameaça à ordem e ao poder estabelecido. A sentença que lhe foi aplicada foi a mais cruel daquele tempo: a crucificação. Esta sentença era reservada aos piores criminosos contra o governo romano. Jesus não morreu “apenas” na cruz. Ele foi executado, recebeu a pena de morte, sem perdão imperial, sem indulto governamental. Executado.
Uma personagem inusitada nesse terrível acontecimento, porém, salta aos nossos olhos quando lemos os Evangelhos Sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas). Um centurião. Um oficial do exército romano de ocupação. Sim! Não podemos nos esquecer: os romanos invadiram e ocuparam a Judeia à força, graças ao seu poderio militar. Os judeus não eram criminosos, os romanos sim. Eles invadiram, mataram, destruíram, ocuparam, taxaram e dominaram. Foram os invasores que condenaram Jesus como subversivo. Por quê? Porque Jesus pregava a paz, mas não a paz romana, e, sim, a paz de Deus – paz sem força militar, sem poder judicial, sem autoridade governamental.
Vamos voltar ao centurião. Um oficial do exército, membro da equipe executora da sentença. Provavelmente já fora responsável por muitas outras execuções. Nesta, porém, algo diferente acontece “no coração” do centurião. Marcos 15.39 registra o acontecido: “O centurião que estava em frente dele, vendo que assim expirara, disse: Verdadeiramente, este homem era o Filho de Deus”. O local da execução se transforma em um altar confessional. Uma confissão de fé inusitada, vinda de uma personagem inesperada. O opressor, o dominador, o assassino (protegido pela farda e pelas leis romanas). Ele viu o que a maioria não foi capaz de ver. Viu que o executado não era uma pessoa comum. Quem era? Ele era o Filho de Deus – “este homem” é divino. “Este homem” representa Deus diante de nós. “Este homem”, confessou o centurião, é o Filho de Deus que morre na cruz, vítima da execução imperial.
Por que inusitado? Por que um centurião comum apenas veria mais um criminoso político, apenas mais um problema a ser resolvido, apenas mais um a ser morto para o centurião não morrer na batalha. Ele viu o que os olhos humanos não podem ver: viu o Deus invisível. Deus se revelou na cruz a toda a humanidade, mas foi um centurião a primeira testemunha confessante: ele é o Filho de Deus!
Poderíamos especular a respeito da intenção do centurião ao chamar Jesus de Filho de Deus. Estudiosos fazem isso. Talvez o centurião quisesse dizer apenas que ele via Jesus como uma pessoa excepcionalmente religiosa. Talvez. Mas isto não importa. A intenção do centurião não nos interessa. O que nos interessa é a sua confissão. Registrada no Evangelho, essa confissão é clara: Jesus não é um homem comum. É o Filho de Deus. Nós chamamos de Deus-Homem, o Deus encarnado. O Deus crucificado. O Deus executado. O Servo Oprimido de Deus (Isaías 53), cuja condenação é a nossa absolvição.
Nossa absolvição da rebeldia política. Nós. Sim, nós mesmos, eu e você, somos criminosos políticos. Rebeldes contra o Reino de Deus, porque amamos ser reis de nós mesmos e de tudo o que está ao nosso redor. Deus, o Rei, porém, não nos condena. Ele condenou a Si mesmo para nos salvar, para nos livrar da rebeldia e nos conduzir ao Reino do amor e da fidelidade. Uma política completamente diferente. Inusitada!
Rev. Júlio P. T. M. Zabatiero
Coordenador da pós-graduação da FATIPI
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